segunda-feira, 7 de maio de 2012

(Continuação)
Património geológico e geoconservação: 
definições, conceitos e panorama histórico

A conservação da natureza é uma temática recorrente e muito difundida no mundo pós-moderno. Este assunto ganhou maior evidência na segunda metade do século XX, na sequência de uma série de fatores, dentre os quais destacamos o crescimento e condensação populacional e a deterioração da qualidade de vida dos seres humanos. Em alguns locais, esta deterioração da qualidade ambiental começou a afetar as condições de sobrevivência do homem, evocando a necessidade de alteração dos padrões de ocupação humana e adoção de práticas conservacionistas. Desta forma, a ideia de conservação da natureza traz em si uma perspectiva antropocêntrica, focada na ideia da natureza como fonte de recursos e de qualidade de vida para os seres humanos.
Desde os seus primórdios, a temática da conservação da natureza esteve, na maioria das vezes, focada na conservação da biodiversidade, chegando muitas vezes consideradas como sinónimos. Por outro lado, a conservação do património abiótico esteve sempre à margem desta temática e, somente na década de 70 do século XX, começam a surgir esforços sistemáticos para a inclusão da conservação da geodiversidade nas políticas e iniciativas de conservação da natureza. Este fato deve-se a uma série de fatores, porém o foco profissional da maioria dos geólogos na prospecção, extração e uso dos recursos naturais é a causa principal deste papel menor da geologia na conservação ambiental.

 Jazidas fossilíferas do Paleozóico


A respeito desta discussão sobre a importância da conservação da geodiversidade vs conservação do património natural e do grande destaque alcançado pela conservação da biodiversidade, vale a pena realçar que a geoconservação adotou uma terminologia distinta, colocando-se, de certa forma, à parte desta temática, enquanto que a conservação da biodiversidade não chegou a criar um termo apenas para si, sendo ainda muitas vezes designada como sinónimo de conservação da natureza.

É de salientar que o nível de desenvolvimento tecnológico alcançado pela sociedade atual está altamente dependente da disponibilidade de recursos naturais que, por sua vez, fazem parte da geodiversidade. Desta forma, torna-se claro que a conservação dos elementos da geodiversidade como um todo é uma tarefa inviável, tornando-se necessário um levantamento dos aspectos realmente relevantes e significativos de uma determinada região, sob os pontos de vista científico, pedagógico, turístico, recreativo e da conservação do património natural. Ou seja, para se estabelecer um plano de geoconservação, deve-se definir o que é realmente passível de ser foco de práticas específicas de gestão e conservação. De acordo com Brilha (2005), a geoconservação, em sentido amplo, tem como objetivo a utilização e gestão sustentável de toda a geodiversidade, englobando todo o tipo de recursos geológicos. Segundo Sharples (2002) resume o conceito de geoconservação, desta forma: “A geoconservação tem como objetivo a preservação da diversidade natural (ou Geodiversidade) de significativos aspetos e processos geológicos (substrato), geomorfológicos (formas de paisagem) e de solo, mantendo a evolução natural (velocidade e intensidade) desses aspetos e processos”. Contudo, em sentido restrito, a geoconservação compreende apenas a conservação de certos elementos da geodiversidade, que são dotados de qualquer tipo de valor superlativo que se sobrepõem à média, e que sejam dotadas de valores científico, pedagógico, cultural, turístico ou outros. Tais ocorrências constituem o que se designa normalmente por património geológico.

Portugal é signatário da maior parte da legislação e acordos no âmbito europeu e internacional, relativos à conservação da natureza. Em Maio de 2004, o Conselho da Europa aprovou o primeiro documento dedicado, exclusivamente, à geoconservação. Trata-se pois, da Recomendação Rec(2004)3, adotada pelo Conselho de Ministros do Conselho da Europa relativa à conservação do património Geológico e de áreas de especial interesse geológico.
Nesta sequência, apresenta-se um esquema ilustrativo do papel da geoconservação, dentro da temática da conservação da natureza, considerando a definição proposta por Brilha (op cit).

Esquema ilustrativo do papel da geoconservação dentro da conservação da natureza

Fonte: Brilha (2005)

No final dos anos 80 e início dos anos 90, do século XX, destacam-se alguns fatos marcantes para a consolidação e difusão da geoconservação em nível mundial, os quais são enumerados e descritos a seguir e que, segundo Wimbledon et al. (1999), consistem nos marcos efetivos de implementação e sistematização da geoconservação numa escala global:

·      Criação da “European Working Group for Earth Science Conservation” em 1988, transformada mais tarde, no ano de 1993, em ProGEO - European Association for the Conservation of the Geological Heritage.
·     No ano de 1989, criação da lista global de sítios geológicos – GILGES (Global Indicative List of Geological Sites), um inventário mundial de sítios geológicos, atualmente desativado, criado pela União Internacional das Ciências Geológicas (IUGS – International Union of Geological Sciences).
·         Realização do 1º Simpósio Internacional sobre a Proteção do Património Geológico, no ano de 1991, em Digne, na França. No final desta reunião, foi aprovada a Carta de Digne, conhecida como Declaração Internacional dos Direitos à Memória da Terra, que estabeleceu os princípios e pilares da geoconservação em nível internacional.
·      Realizada em 1993 em Inglaterra, a Conferência de Malvern para a Conservação Geológica e da Paisagem (Malvern Conference on Geological and Landscape Conservation).
·   Realização do 2º Simpósio Internacional sobre a Conservação do Património Geológico, no ano de 1996, em Roma, quando foi criado o Projeto GEOSITES e estabelecido o grupo de trabalho: GGWG – Global Geosites Working Group, da União Internacional das Ciências Geológicas - IUGS, com o objetivo de: 

     a)    elaborar um inventário global e informatizado dos sítios geológicos de interesse global;
    b)   fazer a promoção de uma política de proteção e apoio às ciências geológicas em níveis regional e nacional e,
  c) estabelecer critérios e assessorar as iniciativas regionais e locais para a realização de inventários.

Montanha Huangshan- China

 Fonte: www.google.images

Na sequência destes fatos, no ano 2000, foi criada na Europa a Rede Europeia de Geoparques, cujo objetivo principal é o de cooperar na proteção do património geológico e promover o desenvolvimento sustentável destes territórios (Zouros, 2004). Um geoparque, na sua essência, consiste numa forma de gestão territorial focada na promoção da geoconservação, devendo compreender um conjunto de geossítios de importância particular, em termos de qualidade científica, raridade, apelo estético ou valor educativo. Deve também possuir limites bem definidos e espaço suficiente para promover atividades que contribuam para o desenvolvimento económico da região, assim como, ser gerido por uma estrutura clara e bem definida, organizada de acordo com a legislação nacional do país onde se insere.

Posteriormente, um grupo de especialistas da UNESCO, reunidos em Paris no ano de 2004, criou a rede global de geoparques da UNESCO e estabeleceu um conjunto de critérios para a inserção de membros nesta rede. Em relação aos geoparques da rede europeia, foi estabelecido um acordo de cooperação, para que os geoparques já existentes naquele continente fossem automaticamente integrados na rede global. O conceito de geoparque, em larga implantação em todo o mundo, vem contribuindo para a divulgação da geoconservação na sociedade atual. Este conceito tem favorecido a criação de instrumentos políticos e mecanismos de proteção e conservação do património geológico na legislação de diversos países, bem como vem promovendo ações internacionais de cooperação para a conservação deste património, servindo assim como uma das práticas mais difundidas de geoconservação ao redor do mundo, confirmando o a ideia mundial da conservação da natureza de “pensar globalmente e agir localmente”. Os geoparques alicerçam-se na promoção do desenvolvimento sustentável através da geoconservação.

Uma avaliação das iniciativas ligadas à geoconservação ao redor do mundo revela que a Inglaterra destaca-se como um país pioneiro nesta temática, uma vez que, desde o ano de 1950, com o florescimento dos RIGS (Regionally Important Geological/Geomorphological Sites), iniciou-se neste país um conjunto de ações sistemáticas focadas na inventariação do seu património geológico, com vista à sua conservação. Estas ações passaram também a inspirar outros países em ações semelhantes.

A Austrália também desponta com ações de relevo focadas na conservação de geoformas, desempenhadas pela Comissão Florestal da Tasmânia (Tasmanian Forestry Commission), no decorrer da década de 80, do século XX (Sharples, 2002). Estas ações culminaram com ações governamentais na década seguinte e contribuíram para elevar a importância da geoconservação naquele país, bem como para a sistematização de abordagens teóricas desta temática, com práticas que foram difundidas em todo o mundo. Uma avaliação da literatura específica (Danilovic & Djokic, 2005; Theodossiou-Drandaki, 1999; Brilha, 2005 e Burek & Prosser, 2008) aponta que os países europeus ocupam um papel relevante em relação à geoconservação, visto que, para além da política de geoparques comentada anteriormente, muitos países deste continente contam com recursos legais que, direta ou indiretamente, asseguram a conservação do património geológico ou levantam a necessidade de realização dos inventários nacionais de locais de interesse geológico.
Dentre estes países, destaca-se a Espanha, onde a lei 42/2007 aponta para a necessidade de elaboração do inventário espanhol de lugares de interesse geológico, para o qual foi desenvolvida uma metodologia específica através do Instituto Geológico e Mineiro da Espanha (García-Cortés & Urquí, 2009).

 Geopark Naturtejo

 Fonte: www.google.images

Portugal também se configura como outro país importante nesta temática, dentro do cenário europeu, com uma série de trabalhos científicos focados na geoconservação, alguns deles fruto do único curso de pós-graduação existente a nível mundial, voltado especificamente para a geoconservação e o património geológico, sediado na Universidade do Minho, na cidade de Braga. Foi publicada, em 2008, a nova Lei para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade, onde são apresentadas definições objetivas para geossítio e património geológico, sendo que a conservação destes locais passa a ser apontada como um dos objetivos de manejo das áreas protegidas (Brilha, 2009).

No resto do mundo, destaca-se ainda a Asia Pacific Geoheritage and Geoparks Network (APGGN), onde quatro países, a saber: Irã, Malásia, China e Austrália contam com geoparques inseridos na Rede Global da UNESCO. Dentre estes países, destaca-se a Malásia, que venceu a candidatura para sediar a 4th International UNESCO Conference on Geoparks, no ano de 2010. A China também ocupa um papel importante, uma vez que, com 22 geoparques membros da rede global da UNESCO, configura-se como o país com o maior número de geoparques nesta rede, cujo escritório central está sediado na cidade de Beijing.


Referências:

Brilha, J. (2005) Patrimônio Geológico e Geoconservação: A Conservação da Natureza na sua Vertente Geológica. Palimage Editores, Viseu

Brilha, J. (2009) Geological Heritage and Geoconservation in Portugal. In: Carvalho, C. N. de & Rodrigues, J. (Eds.): New Challenges with Geotourism- Proceeed ings of the VIII European Geoparks Conference. Idanha- a- Nova Municipality and Geopark Naturtejo da Meseta Meridional. Portugal, p. 31-35.

Burek, C.V. & Prosser, C.D. (2008) The history of geoconservation: an introduction. In: Burek, C.V. & Prosser, C.D. (eds) The history of Geoconservation. The Geological Society, London, Special Publications, 300, 1-5.

Danilovic, Z. & Djokic, N. (2005) Geoheritage in the Republic of Serbia from the aspect of the Geological Lesgislation. In: 2nd Conference on Geoheritage of Serbia. Belgrade- Servia. p. 23- 26.
 
García-Cortés A. & Urquí L. C. (2009) Documento metodológico para la elaboración del inventario Español de lugares de interés geológico (IELIG). Version 11, 12-03-2009. Instituto Geológico y Minero de España . Disponível em: http://www.igme.es/internet/patrimonio/, consultado em 2012-05-02

Pereira, Ricardo (2010), Geoconservação e desenvolvimento sustentável na Chapada Diamantina, Bahia-Brasil 
Theodossiou- Drandaki, I. (1999) The Geoconservation in Greece: legal basis- existing situation. In : Mem. Descr. Carta Geol. D´It. LIV (1999), p 375- 377.

Wimbledon, W. A. P.; Andresen S.; Cleal C. J.; Cowie J. W.; Erikstad, L.; Gonggrijp G. P.; Johansson C. E.; Karis L. O. & Suominen V. (1999) Geologial World Heritage: GEOSITES – a global comparative site inventory to enable prioritsation for conservation. In.: Mem. Descr. Carta Geol. D´It. LIV (1999), p 45-60.




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